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Sérgio de Moraes
Linoleogravura - Politipia - Gravura em linóleo
Linocut - Linoprint - Linoleum engrave
Ao aparecer, a politipia, como se viu, tangencia a linoleogravura e, sendo heterônoma sua poética, sua idealização lírica vem flutuando desde os anos 70. Dominante nas aquarelas, desenhos e gravuras, tal lirismo é hegemônico, não se fazendo notar por falta de quaisquer contrastes ou diferenças no conjunto da obra, pois somente detectado como arrepio no leque estendido entre as sutilezas idealizantes, sua posição, e o extremo oposto das brutezas de sentido pop ou expressionista. O Cintiaretrato de Cíntia com broche de peixe, a um tempo diretíssimo e refinado como citação abrupta de ourivesaria animalista merovíngia ou longobarda, traz a seqüência anterior de auto-retratos de Sérgio, nos quais o brutalismo expõe todas as imagens; no cotejo da técnica mista de Cíntia e dos linóleos com Sérgio, o brutalismo não desmente a generalidade hegemônica da idealização pois opera como espécie de lapso, recorrentemente explicitado no presente daZepelin viragem artística, em que cintila a multiplicidade inclusiva e divergente de obras. Outro exemplo, o do peixe-zepelim de 1998, todo ele pop no grafismo simplificado no alto de mais áreas minuciosamente elaboradas, recorre na cabeça feminina do ano seguinte, linóleo com os mesmos traços de gibi.
As interferências externas ao campo abrangente da idealização aparecem como ocorrências que, recorrentemente, afiguram-se como os possíveis de uma atualização futura a partir da posição presente que, corrente no passado construído, coincide com tal futuro, também construído, posição que é a do mesmo presente da reflexão de Sérgio e da deste texto, de fins de 1999. Aproximando diversas projeções, artísticas, textuais, outras, este fim de ano é, assim,  ponto de acumulação, não mero entorno, das conseqüências tiradas por Sérgio sobre o reviramento de sua obra. Pois a delimitação do lirismo como gênero entre outros corresponde, invertendo-se o sentido temporal, à sua amplidão, tempo de Sérgio e outros artistas principiantes nos anos 70, em que se estampa uma dupla e simultânea orientação, a invenção do cotidiano e a pesquisa da técnica. Estes artistas, quando ligados à gravura, têm na técnica o centro daquilo a que, então, se chama "o fazer", recuando o objeto da figuração, neles diferenciado e reduzido a assunto ou narração, quando não, desprezado como ilustração.
Claro está que o abstracionismo, a arte conceitual, o neo-expressionismo não lhes dizem respeito, pelo menos enquanto estilos, de modo que a figuração não se estabelece como pendência de um primeiro literário ou de outro, político ou "social", como se diz então de modo pitoresco, que objete aos artistas posições que os subordinem e lhes tornem heterônoma a arte. Sem discurso pronto que dirija a gravura, Sérgio e seus amigos comprazem-se com o cotidiano, não decerto com o que é cúmplice da exploração, pois são socialistas, mas com o que, fugindo da heteronomia, deve ser de todos, e que alheie por isso, toda fala autoritária. Essas posições diferem de outras, igualmente ligadas à figuração dos anos 70: a tendência, na maior parte das posições referidas, é crítica e valorizadora da técnica. Quanto a Sérgio, o cotidiano, sendo arte, para ele, democrática, está inicialmente em desenhos de interiores, vasos e outras cotidianeidades, mas também de brinquedos da filha, depois em aquarelas e gravuras, nas quais afloram, dominantes, peixes, fauna e
flora marinha,Paisagem marinhas. Sendo as coisas da arte menores, o envolvimento em aura não entrega o cotidiano ao que se idealiza com lirismo suposto subjetivo. Pois, lírico e idealizado em si mesmo, o cotidiano associa as artes de Sérgio a idealizações sem transcendência, dessublimando-se, assubjetivo, o lirismo: se estivesse de pé o campo doutrinal vindo da poética greco-romana e interrompido no século XVIII, falar-se- ia, aqui, em gênero.
Conseqüência da definição das coisas menores é a estabilidade: na idealização imanente, os objetos se estabilizam para não desviar do "fazer" a pesquisa artística; palavra-de-ordem de Sérgio, o fazer é, a um tempo, o objeto imobilizado por aura e a técnica tornada ágil por essa libertação frente ao mesmo objeto. A idealização deste corresponde, assim, à hiperidealização da técnica, que se hieratiza, poética. Não se segue disso, porém, qualquer niilismo, porquanto, como se viu, a obra não depende de um outro que lhe dê sentido ou ser. A coisa aparece em Sérgio como junção de objeto e técnica, alheia ao niilismo de espécie político-sociologizante que domina nos anos 70 e de que a noção-panacéia "contexto" é hipóstase a um tempo inculta e feroz. O niilismo de "contexto", enquanto incessante diferimento da coisa, trama-se mais tarde como plenitude monstruosa no assalto ao bem público e no correlato genocídio programado pelos malfeitores ranfástidas, que já não floreiam "contextos", pois vociferam uma paralisante "globalização", com a qual o bando arribado ainda é englobante, portanto, arrogante ditador de normas: com ameaças, medos, terrores, transcende, indecoroso, a coisa, alegando qualquer indecência como razão. Não há, em Sérgio, diferimento de qualquer sorte: seu cotidiano socialista está articulado no ético e no estético
O lirismo das coisas menores implica, pois, a política, a qual, entretanto, não se erige como norma do poético, recusada por autoritária. Assim, dispensando o geral das doutrinas, Sérgio pode atualizar alguns trechos seus sem o saber, o que exemplifica a manutenção, nele, das duas faces do juízo, a arte e a moral, como vem dos Gregos e Romanos e como se declara nos séculos XVI e XVII. Não é fortuito que também os avatares do jdanovismo mantenham, no tempo, articulação contra-reformista, pois, não menos neles, o artístico pende de diretivas moralizantes que calam a política. Na junção do ético e do estético, retoma-se, nos anos 70, conjunto anterior de textos, em que a distinção de arte e artesanato prevalece, como então se escreve, na unidade da obra. O artesanato, como se lê nos escritos daqueles anos, moraliza a arte como se a politizasse, enquanto a impede de migrar para posições, apresentadas estereotipadamente como sendo as da arte pela arte: é na articulação distintiva que Sérgio e seus amigos fundam o primado da pesquisa técnica a um tempo na estética e na ética. Estando imobilizado o objeto, a idealização da técnica evita a oposição da universal razão ao singular sentimento, disjunção dogmática que a esquerda de Sérgio recusa embora mantenha o primado da pesquisa técnica, hiperidealizada, pois a um tempo poetizada e poetizante.
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