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Sérgio de Moraes
Linoleogravura - Politipia - Gravura em linóleo
Linocut - Linoprint - Linoleum engrave
Ao surgir, em continuidade com a linoleogravura, a politipia entende-se, enquanto derivada, como tangente em ponto; depois, porém, as relações interferentes estabelecem-se entre paralelas, sem ponto que as projete convergentes, dada a dispersão proliferante dos pontos de cruzamento em que uma à outra pensa. O ponto de tangência demonstra que, nele, a politipia não é mais escória da linoleogravura e, por acréscimo, tornada reta, entende-se como continuação da curva primitiva. O ponto de derivação corresponde à singularização do papel tingido, ainda não designado ou visto com um nome. Surgida como classe e nome, a politipia separa-se do dejeto, quando, já resto, o papel tingido é exibido como vacilação na qual o papel vedante aparece como potência artística. Como disso, contudo, não há vestígio fatual, pois a potência referida é exigência da construção, não evento que se possa entrever, a folha subjacente passa, de refugo caído, a tingida suspensão, primeira metamorfose, na qual a contemplação se instaura como divagação admirada.
A segunda metamorfose, em que a classe e o nome inventam, com os lugares da linoleogravura, uma arte imprescrita, é o tornar-se obra da folha tingida: passando de dejeto a arte, com a transição suspensiva, ergue-se a politipia, já tintura composta, a me
rda: o papel deixa de ser refugo e o tingimento, pendência, quando, pulsionalmente, o suporte pintado é ofertado como arte.  Todavia, para  que haja oblação, ablação se produz na folha tingida: o corte torna a folha tingida folha pintada, composição artística que, ainda, institui a politipia como dom que embala, embelezante, o desejo de contemplar. Constrói-se a primeira metamorfose, aqui, para que a transição da folha pendente evite que se aliste a politipia no sublime, sendo  impraticável o salto pulsional do dejeto à merda: há sublime na amplificação poética como conversão do horrendo ao belo, intensíssima também em físico-química como salto de um estado a outro sem transição por intermediário, mas não há sublime no sentido analítico de mudança de alvo pulsional em salto de papel impermeável a papel artístico. 
A diferença de dejeto e resto, mas também de dejeto e obra está em que, pulsionalmente, o papel impermeável é algo desinvestido, ao passo que o papel oscilante e o papel composto são libidinizados, assim, sublimáveis. O corte é, portanto, essencial à politipia, que requer, além do nome e da classe, o juízo, em Sérgio togado como tesoura compositora. Tanto  a ablação, quanto a oblação são pulsionais, considerando-se a transmutação do olhar aterrorizante em contemplação apaziguada. Na transmutação, o gesto que lança o vedante no lixo é revezado por gesto em que o dejeto vacila e é substituído por gesto que recorta a folha como classe-nome, que se torna janela, assim, a um tempo, moldura e cena, pela qual mergulha a visão apaziguante.
 O itinerário das metamorfos
es com que se constrói a invenção de Sérgio retém, pois, três gestos, seqüentes e infletidos, que derivam a politipia da linoleogravura e, adiante, põem-nas em paralelo. Na metamorfose final, virando o dejeto merda, declara-se a idealização; mais, como obra única, logo, preciosa, a politipia difere da linoleogravura, que, como iterativa, é tida como arte sem aura. Mas esse quiasma da derivada e da primitiva opõe o ideal ao reprodutivo; outros cruzamentos, menos enfeitiçados pela  maquinação reprodutiva, exibem a politipia tangenciando a linoleogravura, e, assim, derivando sua poética das idealizações desta. Em 1999, firmado o paralelismo das duas seqüências gráficas, a poética idealizante encolhe, tornando-se pluma singular de leque aberto em roda;  na idealização da politipia,  as  duas metamorfoses presidem-lhe o nascimento, muito embora este seja operado como corte de tesoura.
A presteza do nascimento da politipia não é a de Minerva saída da cabeça de Júpiter, antes, a de Afrodite feita de eleições sucessivas, tópica conhecida, na qual a seleção das virgens mais belas da Cidade prepara outra, que escolhe as partes de corpo que cada uma delas ostenta como belíssima, para as compor na unidade do corpo da Deusa. Enquanto na tópica grega a eleição subtrai virgens e partes de virgens em vista de uma soma compositiva, a seleção de Sérgio se produz como corte supressivo em que nada, afinal, se acrescenta: instaura-se, nele, em compensação, idealização desconhecida de Gregos, Romanos e outros até o sécu
lo XVIII, e isso já no nome. Conceito moderno, a idealização é corte de tesoura compositiva que abre janela estética, modela beleza apolínea, sustenta visão apaziguada: o corte, em Sérgio, é transmutação artística de folhas tingidas, ou ainda, pulsionalmente, doma de olhar brabo. Não menos eletivas, as tópicas de iconografia, cor, matéria reúnem em álbum gravuras, pois operam como critérios de convergência de conjuntos coerentes: é no álbum que o decoro se apreende, hiperbólico, como idealização, na medida em que amplifica a seletividade referida, diminuindo os efeitos de descontrole de que brotam, desproporcionais, as primeiras politipias e as radicais de 1999. Estabelecidas, assim, as seqüências, aclaram-se as prescrições do rigor e da estreiteza da poética das politipias reunidas, que, em contradição com os  momentos extremos expostos, exibem-se como a pluma arrepiada do leque referido.
Dessarte, a poética idealizante só se desvenda quando não é senão gênero entre outros; nela, o corte compositivo, a homogeneidade coerente, a janela pacificadora, a visão elisiva do olhar se evidenciam como decoro e invenção. A pluma, explicitada como idealizante, é arrepio parcelar em 1999, quando, pela primeira vez em Sérgio, incluindo-se na
consideração seusVentdesenhos, Atelieraquarelas, gravuras feitos desde o decênio de 70, a multiplicidade prolifera ao acolher, sem seleção prévia, muito de tudo. Reclassifica-se, no leque aberto, a linoleogravura, mas  também a recém-surgida politipia, irrompendo, ao mesmo tempo, outras artes do papel, como a técnica mista, antes inconcebível em razão das restrições executivas ordenadas por decoro técnico, que ressalta como o critério principal do conjunto de obras. Pois a técnica mista é reveladora, nas vertentes simultâneas do ético e do estético, da mudança ocorrida: antes excluída, até como mera possibilidade, por preceitos e decoros de coerência técnica, torna-se foco privilegiado, pois contestador, da reflexão sobre a obra anterior de Sérgio.
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